Proteína pode revolucionar o tratamento de vítimas de lesões
- Carla Kamel

- 13 de set.
- 3 min de leitura
Pesquisadores da UFRJ testam proteína capaz de reduzir rejeição e custos no tratamento de lesões medulares. Anvisa alerta que ainda não há autorização para uso em humanos e cobra dados de segurança antes da próxima fase.

Uma proteína desenvolvida a partir da placenta humana reacendeu a esperança de pacientes com lesão na medula espinhal — condição que pode causar perda parcial ou total dos movimentos e, até hoje, não tem tratamento capaz de reverter o dano.
A substância, chamada polilaminina, vem sendo estudada há mais de 20 anos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O composto é uma versão recriada em laboratório da laminina, proteína presente no desenvolvimento embrionário e que ajuda os neurônios a se conectarem.
A expectativa é que, aplicada no ponto da lesão, ela estimule os nervos a criarem novas rotas e restabelecerem parte dos movimentos.Nova pesquisa pode ajudar quem perdeu movimentos
Mas qual diferença para as células-tronco?
A professora e pesquisadora da UFRJ Tatiana Sampaio explicou a diferença entre o tratamento com a polilaminina e as terapias com células-tronco.
Ambos os casos têm em comum o fato de tentarem reproduzir processos naturais do corpo. A polilaminina, porém, é uma alternativa mais simples: além de ser natural, ela não é um organismo vivo, mas uma proteína – assim como o colágeno –, um produto biológico que não provoca rejeição.
"A polilaminina é idêntica em todos os seres humanos: a minha é igual à sua. Se eu extraísse polilaminina da minha placenta e aplicasse em você, não haveria problema, porque o corpo não a reconheceria como algo estranho" explica a professora e pesquisador da UFRJ.
As células-tronco, por outro lado, são diferentes. Cada pessoa tem uma, como se fosse um "código de barras" único, específico de cada corpo. Quando você coloca uma célula de alguém em outra pessoa, o organismo identifica que não é próprio e reage com rejeição, o que pode causar complicações.
Por isso, terapias com células exigem imunossupressão, que sobrecarrega a saúde do paciente. "Já a polilaminina pode ser mantida pronta no freezer do hospital e usada imediatamente quando o paciente chega, sem manipulações complexas. É o mesmo tratamento para todos, dispensa imunossupressão e tem custo mais baixo", completa Tatiana Sampaio.
Próximas etapas do estudo
Os locais para as próximas fases do estudo já estão definidos: será no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC USP) e na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - Hospital Central.
Porém, o grupo de pacientes será pequeno e ainda não está determinado, porque essa próxima etapa será feita com lesões muito agudas — ou seja, nos primeiros dias após o trauma, cerca de três ou quatro dias.
São pessoas que ainda vão sofrer essas lesões e serão identificadas nas emergências dos hospitais. A seleção será definida futuramente, quando o estudo estiver aberto.
A pesquisadora aponta que desde 2022, estão acontecendo reuniões com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para aprovação para uso clínico da polilaminina.
Segundo Tatiana Sampaio, a Anvisa está negociando diretamente com o laboratório Cristália – empresa responsável pelo desenvolvimento em parceria com a UFRJ.
Anvisa, por outro lado, alerta que ainda não há autorização para uso em humanos e cobra dados de segurança antes da próxima fase. Pacientes com lesões na medula recuperam movimentos com tratamento brasileiro em fase experimental
Resultados em cães
Um estudo publicado em agosto na revista Frontiers in Veterinary Science avaliou a polilaminina em seis cães paraplégicos, que não conseguiam andar mesmo após cirurgia e meses de fisioterapia. Alguns estavam sem se movimentar havia anos.
Depois da aplicação da substância diretamente na medula, quatro dos animais conseguiram voltar a dar passos e melhorar a firmeza da marcha. Dois tiveram avanços mais discretos. Os efeitos foram acompanhados por seis meses.
Não foram registrados efeitos colaterais graves: apenas um caso de diarreia foi relatado, sem ligação comprovada com o medicamento.
Testes em voluntários
Além dos cães, a polilaminina também já foi aplicada em pequenos grupos de pacientes brasileiros em caráter experimental, dentro de protocolos acadêmicos.
Segundo os pesquisadores, alguns voluntários que haviam perdido completamente os movimentos abaixo da lesão recuperaram parte da mobilidade — algo considerado improvável sem intervenção. Houve relatos que variaram de pequenos movimentos a ganhos mais amplos, como controle de tronco e até passos com auxílio.
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